Questão de Tempo

Na hipotética situação de ter de indicar um, somente um filme para se assistir neste fim de ano sugeriria este longa escrito e dirigido por Richard Curtis. O roteirista de Quatro Casamentos e Um FuneralO Diário de Brigite Jones e Um Lugar Chamado Notting Hill fez de Questão de Tempo o que costumo chamar filme-deleite, aquele tipo de produção prazerosa de se ver, despretensiosa, que faz o espectador sair da sala enlevado, acreditando no ser humano, querendo abraçar alguém. Nada mais pertinente nessa época de confraternização.

Veja o trailer oficial:

 

Sempre apreciei a capacidade de Curtis de trabalhar com as emoções humanas em seus roteiros e tornar tudo muito credível aos olhos da audiência. Seus personagens são cativantes e não demoramos muitos a estar com eles, compartilhar de seus sentimentos, viver suas histórias. E o mais interessante é ver que o autor é capaz de humanizar e tornar verossímil a mais improvável das tramas, habilidade dos bons roteiristas.

 

Logo nos primeiros minutos de Questão de Tempo, o jovem e desajeitado Tim (Domhnall Gleeson) é chamado pelo pai (Bill Nighy) para uma conversa. Aparentemente, vai ser um desses papos tradicionais em que o pai dá conselhos ao filho sobre as responsabilidades da vida adulta, etc. Nada disso.

 

O pai de Tim tem uma revelação para fazer, um segredo sobre os homens da família: eles são capazes de viajar no tempo. Há algumas regras, como não poder voltar a um passado que não se viveu nem avançar ao futuro. De resto, a coisa é simples; basta entrar num lugar fechado, um armário por exemplo, fechar os olhos, cerrar os punhos e pensar no momento que se quer reviver.

 

Tim, claro, não acredita no pai. Este tampouco achava que ele fosse crer nessa história de viagem no tempo. Todo o diálogo entre os dois é levado num tom de deboche da situação, sacada astuta de Curtis que sabe que é exatamente o que o espectador está pensando no momento.

 

Achando-se ridículo, Tim entra em seu guarda-roupa, memoriza um momento – a festa deréveillon ocorrida dias antes em sua casa – e voilá! Em segundos está revivendo o instante. A cena, já vista anteriormente pelo espectador, é reprisada e Tim aproveita para corrigir alguns "erros", que vão de trivialidades como não derrubar uma mesa de bebidas a coisas mais sérias, como não ferir os sentimentos de uma garota.

 

Questão de Tempo mal começou, mas já embarcamos em sua aprazível trama. Estamos viajando no tempo com o simpático e um tanto aparvalhado Tim, que resolve usar seus poderes para se dar bem no amor, campo em que está longe de ser bem-sucedido. Não demora muito a descobrir que suas habilidades não são tão úteis quanto pensava e, por mais que volte no tempo e tente mudar os acontecimentos, nunca será capaz de fazer alguém amá-lo de verdade só com o artifício.

 

Viajar ao passado não resolve tudo, mas ajuda bastante. Tim deixa a casa dos pais e vai morar em Londres, onde dá início à carreira de advogado. Mora provisoriamente na casa de Harry (Tom Hollander), um dramaturgo amigo de seu pai e o personagem porra-louca do filme. Um tipo comum nas histórias de Curtis, que serve como alívio cômico – lembram-se do amalucado Spike (Rhys Ifans) de Um Lugar Chamado Notting Hill?

 

Tempos depois, já empregado e levando sua vida, Tim é lavado por um amigo a um inusitado barzinho onde homens e mulheres se encontram no escuro. Eles conversam com duas jovens, se divertem, mas só as veem na saída do lugar. A mulher que encantou Tim somente com as palavras o conquista também pela beleza. Ela se chama Mary (Rachel McAdams) e, aparentemente, achou Tim suficientemente interessante para deixar seu telefone com ele.

 

O problema é que Tim se vê obrigado a voltar no tempo para ajudar Harry, que teve problemas com a estreia de sua peça. Tendo ido ao espetáculo não poderia estar no encontro, que aconteceram no mesmo horário. Resultado: quando volta ao presente, o papelzinho com o número de telefone da pretendente sumiu. O que segue é a engraçada e romântica tentativa de Tim de reencontrar Mary, que agora não faz a menor ideia de quem ele seja.

 

Não vou dar mais detalhes sobre a trama. Daí em diante muitos, mas muitos acontecimentos envolvendo o casal e as pessoas do entorno vão nos conquistando cada vez mais. É bem verdade que podemos pensar nas diversas coisas que o protagonista poderia fazer com tais poderes e, por outro lado, percebemos que certas explicações a respeito das viagens no tempo não fazem muito sentido ou são debilmente explicadas.

 

Não importa muito. Fato é que, depois de duas horas de projeção, a sensação é de que poderíamos ficar na sala de cinema acompanhando esses personagens por horas a fio. Deixa-se a sessão de Questão de Tempo embevecido, feliz, íntimo de seus personagens como se fossem pessoas reais das quais tivemos a oportunidade de participar prazerosamente de um período de suas vidas. Se cinema é válvula de escape por vezes, esse filme é uma das melhores fugas do ano.

 

Cena do casamento. Curta todo o encanto de Rachel McAdams:

 

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