João 1:1

No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus.

No princípio 

 

O termo princípio admite dois sentidos aqui. O primeiro e mais popularmente aceito refere-se a um momento determinado do passado em que o universo físico começou a existir. Segundo a versão sustentada pela ciência moderna, o evento teria ocorrido há cerca de 15 bilhões de anos, quando a partir da grande explosão (big bang), o universo teve o seu princípio.

 

O segundo sentido, ao meu ver mais apropriado e condizente com a natureza do Criador, diz respeito, não a um momento definido, mas à eternidade passada. Diante da dificuldade ou mesmo da incapacidade do intelecto humano em conceber a infinitude, seja ela temporal ou espacial, João indica um ponto de partida, sem contudo indicar a que evento esse ponto de partida se refere. Muitos intérpretes afirmam que há uma clara referência ao primeiro versículo do livro de Gênesis, o que não é absolutamente fora de questão. Por outro lado, entendo tratar-se de situações distintas. No caso de Gênesis há a expressa referência ao momento da origem dos céus e da terra (o universo), enquanto aqui tal não ocorre. O objetivo do primeiro verso da bíblia cronológica seria, portanto, o de apresentar o criador e um de seus atributos, a eternidade.

 

era 

 

O uso do verbo ser neste contexto não é o de indicar meramente um estado ou condição, mas algo muito maior: a substância essencial e permanente do ente a quem se refere, o LOGOS. O próprio Deus se define como "EU SOU", em Êxodo 3:14, e o mesmo fez Jesus ao dizer que "antes de Abraão nascer, EU SOU". Ao dizer EU SOU, Deus se apresenta como indefinível. O verbo SER se coloca como elemento de indefinição acerca da natureza e da essência divina, em qualquer aspecto que seja possível conceber. Jamais chegaremos ao pleno conhecimento da essência e dos atributos do LOGOS.

 

o Verbo

 

A palavra grega LOGOS, usada por João no prólogo de seu Evangelho, é geralmente traduzida como palavra ou verbo. Tomado literalmente, esse significado é problemático, pois como poderia uma mera palavra ter existência ao longo da eternidade passada? Como é que uma palavra pode ser Deus? E como poderia tal palavra tornar-se humana, em particular um homem, Jesus Cristo? Para entender corretamente o prólogo de João e para de fato compreender completamente o seu Evangelho, o Novo Testamento e a Bíblia como um todo, é necessário conhecer o sentido e o alcance do verdadeiro significado que João quis dar ao termo LOGOS. 

 

Desde Heráclito de Éfeso (575-475 a.C.), muito antes de João, portanto, LOGOS tinha um significado bem mais amplo e profundo, ao ponto de representar um conceito filosófico que podia ser traduzido como razão, significando tanto a capacidade de racionalização individual como, e principalmente,  um princípio cósmico da Ordem e da Beleza.

 

Convém, neste momento, que se faça uma análise preliminar sobre o Logos e seu significado, tanto sob a ótica filosófica quanto teológica.

 

Literalmente, LOGOS, como já dito, significa palavra. Também pode significar discurso, enunciado, lógica ou razão, para citar apenas alguns. Heráclito foi o primeiro filósofo, pelo que se sabe, a dar ao LOGOS uma interpretação filosófica ou teológica.

 

Heráclito de fato pode ser considerado o primeiro filósofo ocidental, já que seus escritos foram talvez os primeiros a estabelecer um sistema coerente de pensamento semelhante ao que atualmente chamamos de filosofia.

 

Apesar de apenas fragmentos de seus escritos terem sido preservados, a maioria dos quais mediante citações em textos de outros pensadores, sabemos que ele descreveu um elaborado sistema, que aborda a onipresença da mudança, a interação dinâmica dos opostos e uma unidade profunda das coisas. O LOGOS parecia figurar fortemente em seu pensamento e ele O descreveu como um princípio universal, subjacente, mediante o qual todas as coisas vêm a existência, sendo compartilhado por todas elas como essência.

 

Heráclito usou o termo para designar o padrão de ordenação que é ao mesmo tempo escondido e reconhecível no fluxo do mundo. Diferindo de predecessores, mais especificamente de Parmênides, que via a base da realidade apenas no imutável, Heraclito enfatizou o movimento e a mudança incessante da natureza. Ninguém pode pisar no mesmo rio duas vezes; tanto o rio quanto o indivíduo mudaram nesse ínterim. No entanto, ele observou que a mudança permanente não significa puro caos. Tudo está em constante mudança, mas conforme padrões, regras ou leis naturais. O LOGOS poderia ser concebido, neste sentido, como uma lei fundamental imanente da natureza.

 

Apesar de Platão e Aristóteles terem feito pouco uso do termo, ambos acreditavam que o mundo era capaz de ser conhecido através da razão humana, que corresponde ou participa da racionalidade do universo. Entre seus sucessores, os estóicos fizeram do LOGOS um conceito fundamental. LOGOS era o princípio da ordenação do universo. Alguns dos estóicos equiparavam os conceitos de Deus, natureza e LOGOS. Eles acreditavam em uma humanidade universal que era decorrente da origem comum a partir do LOGOS. Eles falavam do Logos como a Razão Seminal, através da qual todas as coisas passaram a ser, pelo qual todas as coisas foram definidas e para onde todas as coisas retornam.

 

 Talvez a abordagem mais ampla do Logos tenha sido realizada por Fílon de Alexandria, um judeu helenístico, que viveu na época de Cristo. Fílon escreveu alegorias dos livros do velho testamento, da autoria de Moisés, interpretando-os à luz da filosofia grega. Há mais de 1300 referências ao termo LOGOS em seus escritos, sob variados sentidos. Particularmente notáveis são suas referências ao Logos como a Razão Divina, em função da qual os seres humanos são racionais; ao modelo do universo; ao superintendente ou ao governador do universo; e ao filho primogênito de Deus. Embora não haja nenhuma evidência direta de que João tenha lido Fílon, parece claro que os conceitos que ele articulou estavam consolidados na mente do evangelista quando ele escreveu o seu Evangelho.

 

A compreensão do Logos por um leitor desapaixonado do prólogo do quarto evangelho e da própria bíblia poder ser resumido como segue:

 

O Logos é:

 

  • O plano ou o modelo do universo;
  • A fonte da ordem no universo, a partir da qual todas as coisas vem à existência e em função da qual tudo passará, no fluxo interminável do espaço e do tempo;
  • A fonte da inteligência e da razão humana;
  • Incompreensível para a humanidade;
  • A síntese da sobedoria;
  • Universal;
  • Eterno;
  • O Criador;
  • Deus.

 

O avanço do conhecimento científico vem demonstrando, de forma cada vez mais nítida, a existência do LOGOS, ou seja, a ordem intrínseca e inerente à matéria e à energia, os elementos fundamentais que formam o universo. Toda a matéria existente é formada pelas mesmas partículas, que se organizam segundo leis naturais definidas e previsíveis. O conhecimento de tais leis, embora recente e ainda precário, é suficiente para comprovar e demonstrar o Logos como a essência, o ponto de partida e de chegada de tudo que existe, existiu ou que existirá.

 

Em síntese, o evangelista João objetivou, neste verso, basicamente informar que houve um período infinito de tempo, anterior à existência do universo tal qual o conhecemos, durante o qual o Logos, a essência do Criador, o próprio Deus, a sabedoria suprema, se fazia presente e mesclado no tecido do espaço-tempo, assim como ocorre no momento presente e continuará a ocorrer na eternidade futura.

 

A compreensão desta realidade, entretanto, está fora do limite de nossa capacidade enquanto seres materiais, sujeitos, portanto, às limitações impostas pela matéria. Mesmo estando presos ao mundo físico, entretanto, é possível que haja percepção, mesmo que tênue, da realidade energética e espiritual do universo.

 

O processo de amadurecimento espiritual será mais rápido, mais lento ou até mesmo inexistente, na medida em que formos nos tornando capazes de ver além da realidade material na qual estamos inseridos. O logos se fez matéria e fez com que a matéria evoluisse de sua brutalidade, adquirindo vida, consciência e, por fim, a capacidade de adquirir a mesma natureza espiritual que lhe deu origem, tornando-se semelhante a si mesmo, ao Criador. Porque agora vemos como por espelho, em enigma, mas então veremos face a face; agora conheço em parte, mas então conhecerei plenamente, como também sou plenamente conhecido.(1 Coríntios 13:12)

 

O que acabamos de dizer serve como uma abordagem preliminar e resumida sobre o Logos, o mais complexo, abrangente e inesgotável objeto de estudo e reflexão ao qual a razão pode se lançar. Posteriormente serão adicionadas reflexões complementares, visando dar ao tema conteúdo compatível com sua grandeza. 

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